Algumas das causas subjacentes ou remotas da Primeira Guerra Mundial remontam à história européia de um século atrás. A maioria delas, porém, data de cerca de 1870. Isto se aplica particularmente às causas econômicas, que muitos historiadores consideram como bases de todas as demais. A causa econômica que geralmente colocam no cabeçalho da lista é a rivalidade industrial e comercial entre a Alemanha e a Inglaterra. A Alemanha, após a fundação do império em 1871, atravessou um período de desenvolvimento econômico pouco menos que milagroso. Em 1914, estava produzindo mais ferro e aço do que a Inglaterra e a França juntas. Em produtos químicos, corantes de anilina e na manufatura de instrumentos científicos achava-se à frente do mundo inteiro. Os produtos da sua indústria desalojavam os congêneres ingleses de quase todos os mercados da Europa continental, bem como do Extremo Oriente e da própria Inglaterra.
Há indícios de que certos interesses britânicos começavam a alarmar-se seriamente com a ameaça da competição alemã. Depois de 1900 o ressentimento diminuiu por algum tempo, mas tornou a inflamar-se nos anos que precederam o deflagrar da guerra. Parecia reinar a forte convicção de que a Alemanha estava movendo à Inglaterra uma guerra econômica deliberada e implacável, visando tomar-lhe os mercados por meios fraudulentos e escorraçar os seus navios dos mares. Permitir que a Alemanha saísse vitoriosa dessa luta significaria para a Inglaterra o fim da sua prosperidade e uma grave ameaça à sua existência nacional. Os cidadãos britânicos que se preocupavam com tais assuntos viam a sua pátria como vítima inocente da agressividade alemã e sentiam-se plenamente justificados em tomar quaisquer medidas que se fizessem necessárias para defender a sua posição.
Também os franceses estavam alarmados com a expansão industrial alemã. Em 1870 a França fora despojada dos extenso depósitos de ferro e carvão da Lorena, que passaram a contribuir para o crescimento industrial da Alemanha. Acresce que a França se via na necessidade de importar carvão, o que lhe feria o orgulho quase tanto quanto a perda do ferro. Havia ainda várias outras causas de atrito econômico que muito contribuíram para provocar a guerra. Havia, por fim, um agudo antagonismo econômico entre a Alemanha e a França com respeito ao direito de explorar os recursos minerais e as oportunidades comerciais do Marrocos.
A ambição russa de obter o controle de Constantinopla e de outras porções do território turco entrava em conflito com os planos dos alemães e austríacos, que queriam para si o Império Otomano como um paraíso de privilégios comerciais. Rússia e Áustria também rivalizavam entre si na obtenção do monopólio comercial dos reinos balcânicos da Sérvia, da Rumânia, da Bulgária e da Grécia. A Áustria estava tão ansiosa de evitar que esses países caíssem na órbita russa quanto desejosa estava a Rússia de estender o seu poder a todos os eslavos da Europa Oriental.
Até certo ponto, a construção da estrada de ferro Berlim-Bagdá foi uma causa econômica da guerra, embora tivesse efeitos políticos não menos importantes. A conclusão dessa estrada envolvia, como é de ver, o assentamento de uma Iinha do Bósforo a Bagdá pelo rio Tigre, uma vez que já existia a ligação ferroviária entre Berlim e Constantinopla. De Bagdá talvez pudesse ser estendida até o Golfo Pérsico, abrindo assim um caminho mais curto para a Índia. Os planos da estrada de ferro tinham sido traçados por uma companhia alemã desde 1890.
Considerando os riscos demasiadamente grandes para ser empreendidos por eles sós, os capitalistas alemães convidaram, banqueiros ingleses e franceses para cooperarem. O capital seria dividido igualmente entre os três países e a Inglaterra e a França teriam a mesma representação que a Alemanha na diretoria. O ciúme e a desconfiança, contudo, fizeram com que a proposta fosse rejeitada pelos governos britânico e francês. Os ingleses parecem ter receado que as linhas vitais do seu império corressem perigo, bem assim como os seus interesses econômicos na Pérsia e na Mesopotâmia. Os políticos franceses, por seu lado, parecem ter cedido à pressão por parte da Rússia, a qual temia que uma estrada de ferro a atravessar a Turquia ressuscitasse a “enferma do Levante” e adiasse indefinidamente a partilha dos seus bens. Em 1913-14 foi concluída uma série de acordos entre ingleses, franceses e alemães para a construção de ferrovias turcas sobre a base de uma divisão do Império Otomano em esferas de influência. A essas alturas, porém, a amizade internacional estava ferida de morte, sobretudo porque a Alemanha já havia completado cerca de 600 quilômetros da linha de Bagdá.
É impossível aquilatar o verdadeiro valor das causas econômicas subjacentes da guerra. Tiveram certamente influência, mas não tão importante, talvez, quanto em geral se acredita. Para começar, a rivalidade entre a Inglaterra e a Alemanha tem sido provavelmente exagerada. Em 1914 a Inglaterra não corria perigo de ser reduzida ao nível de uma potência industrial de terceira categoria. É verdade que o seu comércio exterior já não crescia tão rapidamente como o da Alemanha, mas assim mesmo crescia. Do mesmo modo, devemos abster-nos de atribuir demasiada gravidade à competição entre a Rússia e a Alemanha. A Rússia não era ainda uma grande nação capitalista, com um excesso de produtos que tivesse necessidade de vender no exterior. Dependia muito mais da importação. Por outro lado, não devemos esquecer que sempre há indivíduos poderosos que são prejudicados pela concorrência estrangeira. Tais pessoas invariavelmente exercem a maior pressão possível para forçarem os seus governos a uma ação agressiva. Convém lembrar também que as rivalidades econômicas resultam amiúde em atrito político. Os ingleses temiam, por exemplo, que o gigantesco desenvolvimento industrial da Alemanha ocidental tornasse indispensável ao império do kaiser o controle de Antuérpia e Amsterdã. O resultado final seria a anexação da Bélgica e da Holanda pela Alemanha, com sério prejuízo para a posição estratégicas da Inglaterra.
Entre as causas políticas da Primeira Guerra Mundial desempenhou papel proeminente o nacionalismo. Esse fator, como explicamos anteriormente, tinha raízes que remontavam pelo menos à Revolução Francesa. Nos começos do século XX, porém, ele passou a assumir uma variedade de formas particularmente perigosas. As principais dentre elas eram o plano da Grande Sérvia, o pan-eslavismo na Rússia, o movimento de révanche na França e o movimento pangermânico. Os dois primeiros relacionavam-se intimamente entre si. Pelo menos desde o começo do século XX a pequena Sérvia sonhava estender a sua jurisdição sobre todos os povos que passavam por ser da mesma raça e cultura que os seus próprios cidadãos. Alguns desses povos habitavam as então províncias turcas da Bósnia e da Herzegovina. Outros incluíam os croatas e eslovenos das províncias meridionais da Áustria-Hungria. Depois de 1908, quando a Áustria repentinamente anexou a Bósnia e a Herzegovina, o plano da Grande Sérvia dirigiu-se exclusivamente contra o império dos Habsburgos. Assumiu a forma de uma agitação para provocar o descontentamento entre os súditos eslavos da Áustria, na esperança de afastá-los desta e unir à Sérvia os territórios que eles habitavam. Daí adveio uma série de perigosas conspirações contra a paz e a integridade da Monarquia Dual, e o clímax fatídico dessas conspirações foi o assassínio do herdeiro do trono austríaco em 28 de junho de 1914.
Em muitas de suas atividades os nacionalistas sérvios foram auxiliados e instigados pelos pan-eslavistas da Rússia. O pan-eslavismo baseava-se na teoria de que todos os eslavos da Europa Oriental constituíam uma grande família. Argumentava-se por conseguinte que a Rússia, como o mais poderoso dos estados eslavos, deveria ser guia e protetora das suas pequenas irmãs dos Balcãs. Era preciso encorajar estas últimas a voltar os olhos para a Rússia sempre que os seus interesses corressem perigo. Os sérvios, búlgaros e montenegrinos, nas suas lutas contra a Áustria ou a Turquia, deviam saber que sempre teriam um amigo poderoso e simpatizante no outro lado dos Cárpatos. O pan-eslavismo não era apenas o ideal interessado alguns nacionalistas ardentes, mas fazia verdadeiramente parte da política oficial do governo russo. Muito contribui para explicar a atitude agressiva da Rússia em todas as disputas que surgiram entre a Sérvia e a Áustria.
Outra das formas malignas de nacionalismo que contribuíram para a guerra de 1914 foi o movimento francês pela revanche. Desde 1870 os patriotas exaltados da França vinham almejando um ensejo de vingar a derrota sofrida na guerra franco-prussiana. É quase impossível, para quem não é europeu, formar uma concepção justa do ascendente que tinha essa idéia sobre o espírito de milhões de franceses. Era cuidadosamente cultivada pela imprensa amarela e servida aos escolares como iguaria cotidiana da sua nutrição intelectual. Deve-se compreender, no entanto, que essa idéia nunca passou, provavelmente, da opinião de uma minoria do povo francês. Por volta de 1914, era fortemente combatida pelos socialistas e por muitos líderes liberais.
É difícil avaliar a influência do pangermanismo como uma modalidade de nacionalismo antes de 1914. O nome do movimento passa, em geral, por derivar da Liga Pangermânica, fundada por volta de 1895. Essa liga advogava particularmente a expansão da Alemanha, que deveria incorporar todos os povos teutônicos da Europa Central. Os limites do império seriam estendidos até abranger a Dinamarca, a Holanda, o Luxemburgo, a Suíça; a Áustria e a Polônia até Varsóvia. Alguns líderes não se contentavam sequer com isso, exigindo também um grande império colonial e uma ampla expansão para leste, até os Balcãs e a Ásia Ocidental. Faziam questão de que povos como os búlgaros e turcos se tornassem pelo menos satélites do Reich. Embora a Liga Pangermânica fizesse muito ruído, dificilmente poderia alimentar a pretensão de representar a nação alemã. Ainda em 1912 não contava mais de 17.000 membros e as suas violentas críticas ao governo eram mal recebidas por muita gente. Não obstante, certas doutrinas suas tinham vivido em estado latente por mais de um século no pensamento alemão. O filósofo Fichte ensinara que os alemães, em virtude da sua superioridade espiritual, tinham a missão de impor a paz ao resto da Europa. Conceitos de arianismo e de supremacia nórdica também contribuíram para a idéia de que os alemães eram divinamente predestinados a persuadir ou obrigar as “raças inferiores” a aceitarem a sua cultura. Por fim, os esforços de filósofos como Heinrich von Treitschke para divinizar o estado e glorificar o poder como instrumento de política nacional ajudaram a incutir no espírito de muitos alemães das classes média e superior a intolerância para com as outras nações e a crença no direito da Alemanha a dominar os seus vizinhos mais fracos.
O nacionalismo dos tipos que acabamos de descrever teria sido quase suficiente de per si para mergulhar um número considerável de nações européias na voragem da guerra. Foi o sistema de alianças múltiplas que transformou a contenda local entre a Áustria e a Sérvia numa guerra geral. Quando a Rússia interveio em favor da Sérvia, a Alemanha sentiu-se obrigada a acudir em defesa da Áustria. A França estava ligada à Rússia por laços estreitos e a Inglaterra foi arrastada ao conflito devido, pelo menos em parte, aos seus compromissos com a França. O sistema de alianças, além disso, era uma fonte de suspeita e de medo. Impossível esperar que a Europa continuasse indefinidamente dividida em campos opostos de força mais ou menos igual. As condições não podiam deixar de mudar com a passagem do tempo. Os motivos que originalmente tinham levado determinadas nações a associar-se a outras perdiam a sua importância, desaparecendo assim a base da aliança. Veremos, por exemplo, a Itália abandonar praticamente a aliança com a Alemanha e a Áustria, às quais parecera, de começo, tão ansiosa por juntar-se. O resultado foi unir mais fortemente as suas antigas aliadas e aumentar-lhes a obsessão de estarem cercadas por um anel de potências hostis.
A evolução do sistema de alianças múltiplas remonta à década de 1870 e seu arquiteto inicial foi Bismarck. Em essência, os objetivos do Chanceler de Ferro eram pacíficos. A Prússia e os seus aliados alemães tinham saído vitoriosos da guerra com a França e o recém-criado império germânico era o estado mais poderoso do Continente. Almejava Bismarck, acima de tudo, preservar os frutos dessa vitória; nada indica que ele estivesse a planejar novas conquistas. Não obstante, perturbava-o o receio de que a França pudesse iniciar uma guerra de desforra. Era pouco provável que tentasse sozinha uma tal coisa, mas podia fazê-lo auxiliada por uma outra potência. Conseqüentemente, Bismarck resolveu isolar a França ligando todos os seus possíveis amigos à Alemanha. Em 1873 conseguiu formar uma aliança simultânea com a Áustria e a Rússia — a chamada Liga dos Três Imperadores. Essa combinação era entretanto de caráter precário. Desfez-se depois do Congresso de Berlim, em 1878, quando a Rússia acusou a Alemanha e a Áustria de escamotear-lhe os frutos da guerra que acabava de ter com a Turquia. Extinta a Liga dos Três Imperadores, Bismarck cimentou uma nova aliança, agora muito mais forte, com a Áustria. Em 1882 essa parceria expandiu-se na célebre Tripla Aliança, com a adesão da Itália. Os italianos não aderiram por amor aos alemães ou aos austríacos, mas sim levados pela cólera e pelo medo. Despeitava-os o fato de ter a França anexado a Tunísia (1881), um território que consideravam como legitimamente seu. Além disso, os políticos italianos ainda andavam às testilhas com a igreja e receavam que os clericais da França subissem ao poder e enviassem um exército francês para defender o papa. Nesse meio tempo foi ressuscitada a Liga dos Três Imperadores. Conquanto durasse apenas seis anos (1881-87), a Alemanha conseguiu manter a amizade com a Rússia até 1890!
Destarte, ao cabo de pouco mais de uma década de manobras políticas Bismarck lograra realizar as suas ambições. Por volta de 1882 a França estava praticamente impossibilitada de obter o auxílio de amigos poderosos. A Áustria e a Itália achavam-se unidas à Alemanha pela Tríplice Aliança e a Rússia, após três anos de ausência, havia retornado ao arraial bismarckiano. O único auxílio possível era o da Inglaterra; mas, com respeito aos assuntos continentais, os ingleses tinham voltado à sua política tradicional de “esplêndido isolamento”. Por conseguinte, no que dizia respeito ao perigo de uma guerra de vingança a Alemanha pouco tinha a temer. Mas, se Bismarck ou qualquer outra pessoa imaginava que tal segurança era permanente, estava-lhe reservada uma triste decepção. Entre 1890 e 1907 a Europa passou por uma revolução diplomática que aniquilou praticamente a obra de Bismarck. É verdade que a Alemanha ainda tinha a Áustria ao seu lado, mas perdera a amizade tanto da Rússia como da Itália, ao mesmo tempo que a Inglaterra saíra do seu isolamento para entrar em ajustes com a Rússia e a França. Esse deslocamento do equilíbrio de poderes teve resultados fatídicos. Convenceu os alemães de que estavam rodeados por um anel de inimigos e, portanto, tinham de fazer o que estivesse ao seu alcance para conservar a lealdade da Áustria, ainda mesmo que fosse preciso prestar apoio às temerárias aventuras desta no estrangeiro. Seria difícil encontrar melhor ilustração da futilidade de se confiar num sistema de alianças para preservar a paz.
Não é necessário procurar muito longe as causas dessa revolução diplomática. Em primeiro lugar, desavenças entre Bismarck e o novo kaiser, Guilherme II, determinaram o afastamento do chanceler em 1890. Seu sucessor, o Conde Caprivi, estava interessado principalmente numa tentativa de cultivar a amizade da Inglaterra e por isso deixou caducar o tratado com a Rússia. Em segundo lugar, o desenvolvimento do pan-eslavismo na Rússia colocou o império do czar em conflito com a Áustria. Na contingência de escolher entre a Áustria e a Rússia, a Alemanha muito naturalmente preferiu a primeira. Em terceiro lugar, o estabelecimento de laços financeiros entre a França e a Rússia abriu caminho inevitavelmente para uma aliança política. Em 1888-89 tinham sido lançados, na Bolsa de Paris, empréstimos russos no valor aproximado de 500 milhões de dólares. As obrigações, oferecidas a preço convidativo, foram prontamente compradas pelos capitalistas franceses. A partir de então, grande número de cidadãos influentes da França passaram a ter um interesse direto nos destinos políticos da Rússia. Uma quarta causa foi o abandono do isolacionismo pela Inglaterra, mudança essa devida a várias razões: uma delas foi a preocupação causada pelo crescente poder econômico da Alemanha; outra, o fato de terem os ingleses e os franceses descoberto, por volta de 1900, uma base de cooperação para a partilha da África do Norte. Uma última causa da revolução diplomática foi a mudança de atitude da Itália em relação à Tríplice Aliança. Pelas alturas de 1900 estavam os republicanos franceses consolidados no poder, não tendo pois a Itália mais que temer uma intervenção monárquico-clerical em favor do papa. Além disso, a maioria dos italianos tinha-se conformado com a perda da Tunísia e tratava apenas de reaver os territórios em poder da Áustria e de ganhar o apoio da França para a conquista de Trípoli. Por essas razões a Itália perdeu o interesse em manter a lealdade à Tríplice Aliança.
O primeiro resultado importante da revolução diplomática foi a Tríplice Entente. Chegou-se a ela por uma série de estágios. Em 1890 a Rússia e a França iniciaram uma aproximação política que aos poucos amadureceu numa aliança. O convênio militar secreto assinado pelos dois países em 1894 estabelecia que uma das partes iria em auxílio da outra em caso de ataque pela Alemanha, ou pela Áustria ou Itália apoiada pela Alemanha; e que, em caso de mobilização por parte de qualquer dos componentes da Tríplice Aliança, tanto a Rússia como a França mobilizariam imediatamente todas as suas forças e as colocariam tão próximo das fronteiras quanto possível. Essa Aliança Dual entre a Rússia e a França foi seguida pela Entente Cordiale entre a França e a Inglaterra. Durante as duas últimas décadas do século XIX, ingleses e franceses haviam tido amiudadas e sérias altercações a respeito de colônias e comércio. As duas nações quase chegaram às vias de fato em 1898, em Fachoda, no Sudão Egípcio. Subitamente, porém, a França abandonou todas as suas pretensões a essa parte da África e iniciou negociações para um entendimento amplo em relação a outras contendas. O resultado foi a conclusão, em 1904, da Entente Cordiale. Não era uma aliança formal, mas um acordo amigável sobre muitos assuntos. O que continha de mais importante eram certos artigos secretos referentes à partilha do Norte da África. A França concordava em dar carta branca à Inglaterra no Egito, e em troca a Inglaterra consentia na aquisição de quase todo o Marrocos pelos franceses. O passo final na formação da Triple Entente foi a conclusão de um entendimento mútuo entre a Inglaterra e a Rússia. Também aqui não houve aliança formal. As duas potências chegaram simplesmente, em 1907, a um acordo relativo às suas ambições na Ásia. O núcleo desse acordo consistia na divisão da Pérsia em esferas de influência. A Rússia ficaria com a parte do norte e a Inglaterra, com a do sul. Uma porção mediana seria conservada, pelo menos temporariamente, como zona neutra sob o governo do seu soberano legítimo, o xá.
Destarte, em 1907 as grandes potências da Europa achavam-se alinhadas em dois campos hostis — a Tríplice Aliança e a Triple Entente. Enquanto, porém, esta última ia em vias de desenvolvimento, a primeira foi muitíssimo enfraquecida pela defecção da Itália. Já vimos que por volta de 1900 os motivos que levaram a Itália a juntar-se à Tríplice Aliança haviam perdido a sua importância. Não somente se observava uma decidida frieza nas relações ítalo-austríacas mas também os nacionalistas italianos clamavam incessantemente por um império na África. Por isso, em 1900 o governo firmou um acordo secreto com a França, estipulando que em troca da plena liberdade de ação em Trípoli a Itália se absteria de qualquer interferência nas ambições francesas sobre o Marrocos. Em 1902 os dois países concluíram outro pacto secreto, pelo qual cada um se comprometia a manter a neutralidade em caso de ataque por uma terceira potência. A obrigação subsistia mesmo que alguma das partes, por motivo de uma ameaça à sua honra ou à sua segurança, se visse obrigada a “tomar a iniciativa da declaração de guerra”. Sendo os termos “honra” e “segurança” suscetíveis de ampla interpretação, é evidente que a Itália estava, na realidade, comprometendo-se a permanecer neutra em quase qualquer guerra que viesse a estalar entre a França e a Alemanha. Sua obrigação anterior, decorrente da Tríplice Aliança, de ajudar a Alemanha no caso de um ataque francês ficava assim praticamente anulada. O auge da deslealdade foi alcançado pela Itália no “Acordo de Racconigi” de 1909, com a Rússia. Por esse acordo o governo de Roma prometia “encarar com benevolência” as pretensões russas ao controle dos Estreitos e de Constantinopla, em troca do apoio diplomático à conquista de Trípoli.
A fortuna da Triple Entente esteve também sujeita a flutuações. Foi ela um tanto fortalecida entre 1905 e 1912 por uma série de “conversações” militares e de acordos não-oficiais entre a Inglaterra e a França.
Consistiam estes mormente em planos pormenorizados dos estados-maiores britânico e francês para uma ação conjunta dos dois exércitos, na eventualidade de ser a França atacada pela Alemanha. Mais tarde foram assumidos certos compromissos de cooperação naval entre a Inglaterra e a França, de um lado, e a Inglaterra e a Rússia do outro. Mas a coalizão foi seriamente enfraquecida em 1909, em consequência da recusa da Inglaterra e da França a apoiar a Rússia na sua disputa com a Áustria em torno da anexação da Bósnia-Herzegovina por esta última. Outra ameaça à integridade da Triple Entente surgiu em 1913, quando a Inglaterra colaborou com a Alemanha e a Áustria no desígnio de forçar a Sérvia a abandonar suas pretensões à Albânia. Embora as Potências Centrais pretendessem ver na Triple Entente uma poderosa coligação contra elas, na realidade era tão instável quanto a Tríplice Aliança. As ambições russas sobre Constantinopla entravam em conflito com os interesses britânicos na mesma localidade. Os próprios ingleses pareciam por vezes afagar a idéia de lançar as potências continentais umas contra as outras. Daí a sua tendência a vacilar entre o apaziguamento da Alemanha e o encorajamento à França. Até quase os fins de julho de 1914, nem os inimigos da Inglaterra nem os seus aliados podiam ter absoluta certeza sobre a decisão que ela tomaria.
A última das causas subjacentes da Primeira Guerra Mundial a ser considerada foi uma série de crises internacionais que puseram em perigo a paz européia entre 1905 e 1913. Houve, ao todo, cinco crises de grave importância: três suscitadas pela questão marroquina e duas relacionadas com disputas na Europa Oriental. Conquanto a maioria delas tivesse sido afastada por meio de compromissos, todas deixaram um legado de suspeita e ressentimento. Em alguns casos, a guerra só foi evitada por estar na ocasião demasiadamente fraca uma das partes para oferecer resistência. Daí o sentimento de humilhação, o rancor reprimido que em ocasião futura teria de explodir. Outro efeito dessas crises foi lançar alguma luz sobre as verdadeiras simpatias das grandes potências. Destarte se evidenciou, durante a terceira crise marroquina, que a Inglaterra reconhecia uma comunhão de interesses com a França. Do mesmo modo, a atitude assumida pela Itália mostrou que esse país estava longe de ser um membro seguro da Tríplice Aliança.
A crise marroquina nasceu de um entrechoque de interesses econômicos franceses e alemães. No começo do século XX era o Marrocos um país independente, governado por um sultão. Seu território, porém, era relativamente rico em minerais e produtos agrícolas, que as nações européias cobiçavam. O que despertava principalmente a cupidez dos franceses e alemães eram as jazidas de ferro e manganês e as excelentes oportunidades de comércio. Em 1880 as principais potências do mundo haviam assinado a Convenção de Madrid, estabelecendo que os representantes de todas as nações teriam privilégios econômicos iguais no Marrocos. Mas os franceses não se satisfizeram por muito tempo com tal combinação. Em 1903 o seu comércio marroquino ultrapassava o de qualquer outro país e a França almejava nada menos que um monopólio. Além disso, cobiçavam o Marrocos como uma reserva de tropas e como um baluarte na defesa da Argélia. Por conseguinte, em 1904 a França entrou em acordo com a Inglaterra para estabelecer uma nova ordem no território do sultão. Os artigos do acordo que foram dados à publicidade enunciavam a louvável resolução das potências signatárias de manter a independência do Marrocos. Os artigos secretos prescreviam justamente o contrário. Em época oportuna, o Marrocos seria desmembrado. Uma pequena porção fronteira a Gibraltar seria dada à Espanha e o resto caberia à França. A Grã-Bretanha, como vimos, tinha como recompensa a liberdade de ação no Egito.
Foi esse acordo de 1904 que precipitou a encarniçada disputa entre a França e a Alemanha. Em 1905, alguns funcionários do governo alemão farejaram a trapaça. Resolveram obrigar a França a desistir de suas pretensões sobre Marrocos, ou então oferecer compensações. Em 1905 o chanceler von Bülow induziu o kaiser a desembarcar no porto marroquino de Tânger e pronunciar ali um discurso declarando que a Alemanha estava pronta a defender a independência de sultão. O resultado foi uma crise que levou a Europa a dois passos da guerra. A fim de resolver a disputa reuniu-se em 1906, na localidade espanhola de Algeciras, um congresso internacional. Embora confirmasse a soberania do sultão, a conferência reconhecia ao mesmo tempo os interesses especiais da França nos domínios daquele. Esse resultado convinha admiravelmente aos franceses, que podiam agora penetrar na terra dos mouros sob o manto da legalidade. Em 1908 deu-se uma segunda crise e em 1911 uma terceira, ambas resultantes de tentativas dos alemães para proteger o que consideravam seus legítimos direitos no Marrocos. A terceira crise revestiu-se de particular importância por causa da atitude positiva assumida pelos ingleses. Em julho de 1911 David Lloyd George, no seu célebre discurso da Mansion House (Prefeitura de Londres), virtualmente ameaçou de guerra a Alemanha se esta tentasse estabelecer uma base na costa marroquina. A controvérsia em torno de Marrocos foi resolvida nos fins de 1911, quando a França concordou em ceder uma porção do Congo Francês à Alemanha. O governo do kaiser abandonou então todas as pretensões sobre Marrocos e informou os franceses de que podiam fazer o que entendessem com esse país. Pouco depois todo o território, com exceção da estreita nesga concedida à Espanha, foi adicionado ao império colonial da França. Nenhuma das partes, todavia, esqueceu os ressentimentos nascidos da contenda. Os franceses afirmavam ter sido vítimas de uma chantagem pela qual lhe fora arrebatado um território valioso. Os alemães alegavam que a porção do Congo cedida pela França não era compensação suficiente para a perda de privilégios econômicos em Marrocos.
Mais sérias ainda que o caso marroquino foram as duas crises balcânicas. A primeira foi a crise da Bósnia, em 1908. Pelo Congresso de Berlim, em 1878, as duas províncias turcas da Bósnia e da Herzegovina tinham sido colocadas sob o controle administrativo da Áustria, se bem que o Império Otomano conservasse ainda a posse legitima. A Sérvia também cobiçava esses territórios, que duplicariam a extensão do seu reino e lhe colocariam as fronteiras nas imediações do Adriático. Subitamente, em 5 de outubro de 1908, a Áustria anexa as duas províncias, numa franca violação ao Tratado de Berlim. Os sérvios ficaram furiosos e apelaram para a Rússia. O governo do czar ameaçou com a guerra até que a Alemanha enviou uma áspera nota a S. Petersburgo, anunciando a sua firme intenção de apoiar a Áustria. Como a Rússia ainda não se houvesse refeito inteiramente da guerra com o Japão e não estivesse em condições de guerrear com a Alemanha e a Áustria unidas, acabou por informar os sérvios de que eles teriam de esperar um momento mais favorável. A opinião dominante na Europa Ocidental era de crítica veemente à Áustria. Censuravam-na por ter violado o direito internacional e por perturbar temerariamente o equilíbrio de poderes. Não se sabia então que a responsabilidade da crise também recaía, em boa parte, sobre os ombros do ministro russo do Exterior, Alexandre Izvolski. Em setembro de 1908 Izvolski firmara um acordo secreto com o Conde Aerenthal, seu colega austríaco, no castelo deste em Buchlau, prometendo a não-interferência da Rússia na anexação das duas províncias se a Áustria desse seu apoio à ambição russa de abrir os Estreitos. Izvolski foi, porém, impedido de levar a efeito a sua parte do pacto pela oposição da Inglaterra e da França. Quando Aerenthal consumou a anexação, Izvolski voltou-se contra ele numa atitude de inocência ofendida. A crise da Bósnia foi, indubitavelmente, uma das causas mais importantes da Primeira Guerra Mundial. Seria quase impossível mencionar um outro fator isolado que tivesse provocado tanta malquerença entre as nações. Insuflou a ira dos sérvios contra a Áustria e encorajou-os a solicitar o apoio da Rússia. Convenceu os imperialistas de S. Petersburgo de que teriam de lutar eventualmente não só contra a Áustria, mas também contra a Alemanha. Efeito não menos importante foi o de levar a França a uma aproximação mais estreita com a Rússia. Depois de ver frustrados os seus planos em 1908, Isvolski renunciou ao cargo de ministro e aceitou a sua nomeação como embaixador em Paris. Ali, de 1910 a 1914, trabalhou com magistral habilidade para fazer da França uma aliada leal da Rússia. Parece ter exercido considerável influência junto a Poincaré.
A inimizade austro-sérvia foi ainda mais intensificada pelas guerras dos Balcãs. A primeira dessas guerras foi, em parte, um fruto do programa de otomanização posto em prática pelos Jovens Turcos. Relatos de atrocidades cometidas pelo governo do sultão contra os eslavos da Macedônia despertaram as simpatias dos povos balcânicos da mesma raça e serviram de pretexto para um ataque ao território turco. Em 1912 a Sérvia, a Bulgária, o Montenegro e a Grécia, com o encorajamento da Rússia, formaram a Liga Balcânica para a conquista da Macedônia. A guerra iniciou-se em outubro de 1912 e em menos de dois meses a resistência turca foi completamente desmantelada. Surgiu então o problema da divisão dos despojos. Por tratados secretos, negociados antes do início das hostilidades, fora prometida à Sérvia a Albânia, além de uma generosa fatia da Macedônia ocidental. Mas então a Áustria, receosa como sempre de qualquer aumento do poder sérvio, interveio na conferência de paz e obteve o apoio da Inglaterra e da França para o reconhecimento da Albânia como estado independente. Para os sérvios isso foi a última gota. Dir-se-ia que o governo dos Habsburgos estava disposto a bloquear-lhes sistematicamente todas as tentativas de expansão, pelo menos na direção de oeste. Desde então tornou-se ainda mais rancorosa a agitação anti-austríaca na Sérvia e na província vizinha da Bósnia. Conquanto os sérvios tivessem conseguido forçar os búlgaros a ceder uma porção das suas conquistas na Macedônia, isso não era compensação suficiente para a perda da Albânia, que teria oferecido uma saída para o mar.
A caminho do Armagedom
Como todos sabem, a causa imediata da Primeira Guerra Mundial foi o assassínio do Arquiduque Francisco Fernando, em 28 de junho de 1914. Foi a faísca lançada ao barril de pólvora das suspeitas e ódios acumulados. Sem embargo, não foi um, fato tão trivial como muita gente pensa. Na realidade teve um significado muito mais profundo do que geralmente se imaginava fora da Europa Central. Francisco Fernando não era simplesmente uma figura inútil da nobreza austríaca; era um homem que em breve se tornaria imperador. O monarca reinante, Francisco José, atingira os oitenta e cinco anos e a sua morte era esperada a cada momento. Por isso, o assassínio do herdeiro do trono foi considerado muito justamente como um ataque ao estado.
O assassino de Francisco Fernando foi um estudante bosníaco chamado Princip. Isto, porém, não é nem metade da história. Princip não passava de um instrumento dos nacionalistas sérvios. O assassínio, embora tenha ocorrido em Sarajevo, capital da Bósnia, resultou de uma conspiração urdida em Belgrado. Os conspiradores eram membros de uma sociedade secreta oficialmente conhecida como “União ou Morte”, mas comumente chamada “Mão Negra”. Documentos importantes vieram à luz ultimamente, mostrando que o governo sérvio tinha conhecimento da conspiração. Nem o primeiro ministro nem qualquer dos seus colegas, porém, tomou medidas eficazes para impedir-lhe a execução ou, pelo menos, alertar o governo austríaco. Isto leva, naturalmente, a indagar dos motivos que levaram a agir os assassinos. O principal deles parece ter sido o plano de reorganização do império dos Habsburgos, que se sabia estar sendo arquitetado por Francisco Fernando. Esse plano, denominado trialismo, incluía uma proposta no sentido de transformar a Monarquia Dual numa monarquia tríplice. Além da Áustria alemã e da Hungria magiar, já então praticamente autônoma, haveria uma terceira unidade semi-independente composta pelos eslavos. Tal coisa era exatamente o que os nacionalistas sérvios não desejavam. Temiam que, se tal acontecesse, os seus consanguíneos croatas e eslovenos se conformassem com o domínio dos Habsburgos. Decidiram, portanto, eliminar Francisco Fernando antes que se tornasse imperador da Áustria-Hungria.
Ainda depois de terminada a guerra, pensava-se na Europa e nos Estados Unidos que o assassínio do arquiduque tivesse sido obra de bosníacos descontentes. Mas nas semanas que se seguiram imediatamente à tragédia as autoridades austríacas procederam a um inquérito que confirmou as suas suspeitas quanto à origem servia da conspiração. Por conseguinte, no dia 23 de julho enviaram ao governo sérvio um severo ultimato que continha onze exigências. Entre mitras coisas, a Sérvia devia fechar os jornais anti-austríacos, liquidar as sociedades patrióticas secretas, excluir do governo e do exército todas as pessoas culpadas de propaganda anti-austríaca e aceitar a colaboração das autoridades austríacas na eliminação do movimento subversivo contra o império dos Habsburgos. A 25 de julho, dentro do prazo-limite de quarenta e oito horas, o governo sérvio transmitiu a sua resposta. Era um documento ainda hoje sujeito a variadas interpretações. Do total de onze exigências, somente uma era categoricamente repelida e cinco eram aceitas sem reservas. O chanceler alemão considerou-o como uma capitulação quase completa e o Kaiser afirmou que todos os motivos para a guerra tinham desaparecido. A Áustria, no entanto, declarou insatisfatória a resposta servia, rompeu as relações diplomáticas e mobilizou parte do seu exército. Os próprios sérvios não parecem ter nutrito ilusões de agradar à Áustria, visto que três horas antes de transmitir a resposta haviam dado ordem de mobilizar as tropas.
Neste ponto, a atitude de outras nações assume extrema importância. Com efeito, algum tempo antes disso, diversos governantes de grandes potências haviam assumido atitudes bem definidas. Já em 18 de julho Sazonov, ministro russo do exterior, avisara a Áustria de que a Rússia não toleraria qualquer tentativa de humilhar a Sérvia. Ao tomar conhecimento do ultimato à Sérvia o governo russo ordenou uma série de preparativos para pôr o país em pé de guerra. Foram canceladas as licenças dos oficiais, recolhidas as tropas aos quartéis, acumularam-se estoques de provisões e declarou-se o estado de guerra nos setores limítrofes à Alemanha e à Áustria. Em 24 de julho Sazonov disse ao embaixador alemão: “Eu não odeio a Áustria, desprezo-a. A Áustria está procurando um pretexto para engolir a Sérvia, mas nesse caso a Rússia fará guerra à Áustria”. O governo de Moscou contava com o apoio da França ao assumir essa atitude beligerante. Mais ou menos a 20 de julho Raymond Poincaré, que se tornara presidente da República Francesa, fêz uma visita a S. Petersburgo. Insistiu com Sazonov para que “fosse firme” e evitasse qualquer compromisso capaz de resultar em perda de prestígio para a Triple Entente. Preveniu o embaixador austríaco de que “a Sérvia contava com amigos sinceros entre o povo russo e a Rússia tinha uma aliada, a França”.
A atitude da Alemanha nesses dias críticos foi aparentemente mais moderada. Se bem que o kaiser ficasse chocado e enfurecido com o assassínio do arquiduque, o seu governo não formulou qualquer ameaça nem tomou deliberações especiais para a guerra senão depois de dar motivo para alarma à atitude da Rússia. Infelizmente, porém, tanto o kaiser como o chanceler von Bethmann-Hollweg adotaram a premissa de que uma punição severa deveria ser aplicada sem mais delongas à Sérvia. Esperavam com isso colocar as potências diante de um fato consumado e evitar assim uma guerra geral. Em 30 de junho o kaiser declarou: “Agora ou nunca! Devemos pôr tudo em pratos limpos com os sérvios, e isso já”. A 6 de julho Bethmann-Hollweg prestou ao ministro das relações exteriores da Áustria um compromisso que foi interpretado por este último como um cheque em branco. O governo austríaco era informado de que o kaiser “estaria ao lado da Áustria, de acordo com as obrigações assumidas em tratado e com a sua antiga amizade”. Ao dar essa garantia, Bethmann e o seu imperial chefe estavam jogando com a esperança de que a Rússia não interviesse em auxílio da Sérvia, ficando assim a disputa limitada ao âmbito local. Mais tarde, quando descobriram ser vã tal esperança, procuraram conter a Áustria. Tentaram persuadi-la a que limitasse sua ação a uma ocupação temporária de Belgrado, como garantia de que os termos do ultimato seriam observados. Como isso falhasse, Bethmann chegou até a ameaçar a Áustria com o rompimento da aliança caso Berchtold persistisse em não aceitar os seus conselhos. Todos esses esforços, porém, chegaram muito tarde, pois a guerra entre a Áustria e a Sérvia já havia começado.
A Áustria declarou guerra à Sérvia em 28 de julho de 1914. Por um efêmero e ansioso momento, houve a tênue possibilidade de circunscrever-se o conflito. Foi ele, todavia, rapidamente transformado numa guerra de maiores proporções pela ação da Rússia. A 29 de julho, Sazonov e a clique militar persuadiram o czar a emitir uma ordem de mobilização geral, não só contra a Áustria mas também contra a Alemanha. Antes, porém, que fosse a ordem executada, Nicolau mudou de idéia ao receber um apelo urgente do kaiser para que o ajudasse a preservar a paz. A 30 de julho, Sazonov e o general Tatichtchev trataram de fazer com que o czar mudasse mais uma vez de idéia. Durante mais de uma hora procuraram convencer o relutante autocrata de que todo o sistema militar deveria ser posto em movimento. Por fim, o general Tatichtchev comentou: “Sim, é difícil tomar uma decisão”, ao que Nicolau retrucou, com mostras de irritação: “Eu decidirei”, e assinou a ordem de mobilização imediata. Sazonov correu ao telefone para comunicar a notícia ao chefe do estado-maior. Dessa vez tinham sido tomadas todas as precauções para evitar um arrependimento de última hora por parte do czar. Providenciara-se para que a ordem fosse imediatamente telegrafada a todo o país e para que o chefe do estado-maior quebrasse o seu telefone e se sumisse durante todo o dia. Na manhã seguinte, numa remota aldeia siberiana, um viajante inglês foi despertado por uma comoção diante da sua janela, seguida pela alvoroçada pergunta de um camponês: “Sabe da notícia? Estamos em guerra”.
Já não havia possibilidade de recuar diante do abismo. Os alemães estavam alarmados com os preparativos de guerra dos russos. A última medida tomada pelo governo do czar tornava a situação muito mais crítica, uma vez que nos círculos militares alemães, assim como nos franceses e russos, mobilização geral significava guerra. A França menos que o czar pudesse de algum modo suspender o processo depois de iniciado, tanto a Alemanha como a Áustria seriam obrigadas a pegar em armas contra a Rússia. E, se a Alemanha entrasse no conflito, a França indubitavelmente faria o mesmo. Ao saber que o decreto do czar tinha sido posto em execução o governo do kaiser expediu um ultimato a S. Petersburgo, exigindo que a mobilização cessasse dentro de doze horas. Na tarde de 1.° de agosto o embaixador alemão solicitou uma entrevista com o ministro russo das relações exteriores. Rogou a Sazonov que desse uma resposta favorável ao ultimato alemão. Sazonov respondeu que a mobilização não podia ser detida, mas que a Rússia estava disposta a entrar em negociações. O embaixador reiterou o seu pedido uma segunda e uma terceira vez, acentuando as terríveis consequências de uma resposta negativa. Sazonov terminou dizendo: “Não tenho outra resposta para lhe dar.” O embaixador entregou então uma declaração de guerra ao ministro e, sem poder conter as lágrimas, retirou-se da sala. Nesse meio tempo, os ministros do kaiser tinham também enviado um ultimato à França, exigindo que ela desse a conhecer as suas intenções. O primeiro ministro Viviani respondeu, em 1.° de agosto, que a França agiria “de acordo com os seus interesses” e ordenou imediatamente a mobilização. Em 3 de agosto a Alemanha declarou guerra à França.
Todos os olhares voltaram-se então para a Inglaterra. Que faria ela agora, ao ver que os dois outros membros da Triple Entente se haviam atirado à guerra? Durante algum tempo, depois de ter-se tornado crítica a situação no Continente, a Inglaterra vacilou. Tanto o gabinete como a nação estavam divididos. Sir Edward Grey e Winston Churchill advogavam uma atitude resoluta em favor da França, com o recurso às armas se os interesses britânicos fossem ameaçados. Alguns de seus colegas, porém, encaravam com pouco entusiasmo uma intervenção da Inglaterra nas disputas continentais. Por todo o país havia também uma oposição considerável contra a participação em conflitos que não fossem de interesse vital para a Inglaterra. Conquanto Grey tivesse em várias ocasiões animado os russos e franceses a contar com o auxílio inglês, só depois de ter recebido promessas de apoio dos líderes do partido conservador é que tomou compromissos formais. Em 2 de agosto informou os franceses de que “se a esquadra alemã entrasse na Mancha ou cruzasse o Mar do Norte para realizar operações hostis contra a costa ou os navios franceses, a esquadra britânica dispensaria toda a proteção que estivesse a seu alcance”.
Diante dessa promessa feita à França, era difícil acreditar que a Inglaterra pudesse permanecer muito tempo fora da guerra, mesmo que a neutralidade da Bélgica não tivesse sido violada. Com efeito, ainda em 29 de julho Sir Edward Grey advertira o embaixador alemão em Londres, de maneira “amistosa e privada”, de que se a França fosse arrastada ao conflito a Inglaterra lhe seguiria os passos. Não obstante, foi a invasão do território belga que forneceu o motivo imediato para que a Inglaterra desembainhasse a espada. Em 1839, juntamente com as outras grandes potências, assinara ela um tratado garantindo a neutralidade da Bélgica. Além disso, havia um século que a Grã-Bretanha seguia a política de impedir o dominio dos Países-Baixos, que lhe ficavam fronteiros no outro lado do estreito, por qualquer nação poderosa do Continente. Mas o famoso Plano Schlieffen dos alemães dispunha que a França fosse atacada pela Bélgica. Por conseguinte, pediram ao governo belga permissão para enviar tropas através do seu território, prometendo respeitar a independência da nação e indenizar os belgas de todas as depredações causadas às suas propriedades. Como a Bélgica recusasse, as tropas alemãs começaram a atravessar a fronteira. O ministro britânico do Exterior compareceu imediatamente ao Parlamento e declarou que o seu país devia acorrer em defesa do direito internacional, protegendo as pequenas nações. Argumentou que a paz em tais circunstâncias seria um crime moral e que a Inglaterra perderia o respeito dos países civilizados se deixasse de cumprir os seus compromissos de honra nessa ocasião. Os aplausos com que foi recebido o seu discurso na Câmara dos Comuns não lhe deixaram dúvidas quanto à atitude desse órgão. No dia seguinte, 4 de agosto, o gabinete resolveu mandar um ultimato a Berlim, exigindo que a Alemanha respeitasse a neutralidade belga e desse até a meia-noite uma resposta satisfatória. Os ministros do kaiser não tiveram outra resposta a dar senão que se tratava de uma necessidade militar e que era questão de vida ou de morte para a Alemanha poderem os seus soldados alcançar a França pelo caminho mais fácil e mais rápido. Quando o relógio bateu meia-noite, estavam em guerra a Inglaterra e a Alemanha.
Outras nações foram rapidamente lançadas no terrível sorvedouro. Em 7 de agosto os montenegrinos juntaram-se aos seus consanguíneos sérvios na luta contra a Áustria. Duas semanas depois o Japão declarou guerra à Alemanha, em parte devido a sua aliança com a Inglaterra, mas sobretudo com o objetivo de conquistar as possessões alemãs do Extremo-Oriente. Em 1.° de agosto a Turquia negociou uma aliança com a Alemanha e em outubro iniciou o bombardeio dos portos russos do Mar Negro. Destarte, a maioria das nações positivamente ligadas por alianças ingressaram no conflito em sua fase inicial, quer de um lado, quer do outro. A Itália, no entanto, embora ainda fosse oficialmente um membro da Tríplice Aliança, proclamou a sua neutralidade. Insistiam os italianos em que a Alemanha não estava fazendo uma guerra defensiva e, por conseguinte, não tinham a obrigação de auxiliá-la. Nada diziam, está claro, sobre o seu acordo secreto com a França, firmado em 1902. A Itália manteve-se neutra até maio de 1915, quando, seduzida por promessas secretas da cessão de territórios austríacos e turcos, lançou-se à guerra ao lado da Triple Entente.
O tumulto e a excitação que acompanharam o início da grande hecatombe de 1914 há muito que se extinguiram, mas continua de pé a importante questão de saber-se quem foi o responsável pela horrível conflagração. Os historiadores que examinaram os fatos declaram com unanimidade quase absoluta que não se pode considerar como culpada nenhuma nação em particular. A culpa deve ser dividida entre a Sérvia, a Áustria, a Rússia, a Alemanha, a França e, talvez, a Inglaterra e a Itália também. É impossível determinar, todavia, qual a parte que cabe a cada um desses países. Parece justo afirmar que nenhuma das grandes potências desejava realmente uma guerra geral, mas a política adotada por algumas delas tornavam tal guerra inevitável. A Alemanha, por exemplo, considerou essencial aos seus interesses apoiar a Áustria na temerária decisão desta de punir a Sérvia, embora estivesse lançando com isso um desafio à Rússia. Os alemães aparentemente esperavam que a Rússia negasse ouvidos ao desafio, mas não tinham certeza e estavam disposto a jogar no escuro, com risco de provocar uma guerra geral. Os próprios russos talvez não tivessem nenhuma intenção de guerrear a Alemanha ou mesmo a Áustria, mas não vacilaram em ameaçar o status quo conspirando para obter o controle dos Estreitos, nem em favorecer o nacionalismo sérvio ao ponto de fazer perigar a segurança da Áustria-Hungria. Do mesmo modo a França, no tocante à sua política marroquina, visava objetivos que sem dúvida lhe pareciam razoáveis, mas que não poderiam ser alcançados senão à custa dos interesses alemães. E assim por diante. A ambição econômica e a preocupação com a segurança ou com a grandeza nacional levaram muitos estados europeus a adotar linhas de ação que colocaram o continente à beira da guerra. A guerra ern si mesma não era o objetivo, mas foi o resultado inevitável quando se tornou impossível conciliar as ambições nacionais antagônicas.
Considerar a Grande Loucura de 1914 como obra de um único indivíduo é ainda mais absurdo do que encará-la como a conspiração diabólica de uma só nação. Atualmente está mais que provado que o kaiser, tantas vezes representado como o Anjo das Trevas, foi menos culpado do que geralmente se crê. É verdade que gostava de fazer discursos jactanciosos, gabando-se, por exemplo, de ter permanecido ao lado da Áustria, na sua “armadura resplandecente”, por ocasião da crise da Bósnia e referindo-se a si mesmo como o “Altíssimo”. Mas o seu controle sobre o governo alemão diminuía de mês para mês. Raramente consagrava mais de duas horas por dia aos negócios públicos e em geral fazia apenas uma vaga idéia do que estava ocorrendo. Os verdadeiros negócios de estado eram dirigidos pelos seus ministros. Nenhum destes, porém, pode ser acusado de planejar deliberadamente a guerra. O chanceler von Bethmann-Hollweg foi tomado de profunda prostração nervosa nos trágicos dias finais. Tinha sido um dos últimos estadistas europeus a abandonar as esperanças de paz. Quando por fim compreendeu que a horrível catástrofe já não podia ser evitada, por pouco não enlouqueceu. Outros estadistas, talvez, mostraram mais sangue-frio, mas a maioria deles simulou, pelo menos, tentar impedir o conflito.
Na realidade, a Primeira Guerra Mundial foi um movimento de proporções demasiado vastas para ter sido causado em seu todo por planos individuais. Conquanto a maíor parte dos políticos então no poder tenham sido de certo modo responsáveis, a culpa que lhes coube consistia antes da estupidez do que nas intenções criminosas. Provavelmente, poucos deles desejaram de fato a guerra, mas deixaram-se arrastar a situações difíceis e tiveram de recorrer a expedientes perigosos para evitar uma perda de prestígio. A maioria acreditava, como acreditam ainda hoje os estadistas, na fanfarronada e na ameaça como métodos de forçar um governo rival a ceder. Por vezes tais táticas surtiam efeito, como em 1909, quando o chanceler von Bulow fêz a Rússia recuar da posição assumida na crise da Bósnia. Mesmo nas circunstâncias maís favoráveis, porém, o blefe entre nações está repleto de tremendos riscos. Em grande parte, também, os indivíduos que ocupavam os postos de mando em 1914 não passaram de instrumentos de forças muito mais poderosas que eles. Sazonov e Izvolski não criaram o pan-eslavismo na Rússia, do mesmo modo que o movimento de revanche na França não foi invenção de Poincaré. A Primeira Guerra Mundial foi um produto do chauvinismo, de ambições de prestígio nacional, da competição capitalista pelos mercados e por novos campos de investimento, dos ódios seculares entre as nações e dos temores suscitados pelas crises e pelas corridas armamentistas. Quando tais fatores se combinam para governar a constelação dos acontecimentos, primeiros-ministros e ministros do Exterior pouco mais são do que meros joguetes do destino.
Num sentido ainda mais amplo, a conflagração de 1914 foi a consequência virtualmente inevitável do sistema de política de poder que havia cerca de trezentos anos vinha fazendo a infelicidade do continente europeu. Esse sistema baseava-se na doutrina de que cada estado é absolutamente soberano e, por conseguinte, tem o direito de seguir a política exterior que parecer mais adequada aos seus interesses. Se um estado, a fim de obter matérias-primas ou melhorar as suas defesas, achava conveniente lançar as suas garras sobre o território de um vizinho fraco, fazia-o sem trepidar e não havia ninguém para lhe negar tal direito. A maioria das grandes nações da Europa procurava conseguir a segurança para si estabelecendo uma espécie de equilíbrio de forças. Infelizmente, porém, cada uma tentava inclinar a balança em seu favor, em geral formando alianças para depois fortalecê-las ao máximo. Isso conduzia, entre as nações não incluídas nessas alianças, ao receio de serem cercadas, à formação de contra-alianças e aos esforços para anular qualquer coisa que se assemelhasse a uma liga de inimigos. Pelas alturas de 1914 as nações do mundo se encontravam quase num estado de natureza, sem nenhuma autoridade eficaz para refreá-las ou para julgar-lhes as contendas. Era, virtualmente, uma condição de anarquia internacional.
Fontes bibliográficas:
BURNS, E. História da civilização ocidental – Volume II. 2ª São Paulo: Ed. Globo, 1964.